É preciso aprender a dizer “não” para se comprometer de verdade

Não é possível se comprometer com tudo. O tempo e o espaço não são elásticos. Há muitos anos repito essas frases dentro da minha cabeça, como quem tenta desesperadamente se convencer de que é preciso priorizar e aprender a falar “não”.

Por mais que achemos que dá para colocar muitas coisas em nossa rotina, verdadeiramente, não dá. Se formos “engolindo” tudo que nos chega, com um “sim” atrás do outro, é provável que as coisas à nossa volta fiquem amarfanhadas, sobrepostas e amarrotadas em uma espécie de estante da rotina com muitos nichos e pouca profundidade.

Hoje, cada vez sinto que sou mais o que deixo de falar, fazer ou sentir, do que as coisas que antes me preenchiam.

Eu me reconheço e me constituo mais nos “nãos” cirúrgicos que dou, do que em cada “sim” irresponsável que dizia. Essa mudança não tem sido fácil para mim. Logo para mim, a “Sra. Sim”. Sempre dizia “sim” para quase tudo e quase todos.

Ainda tenho dificuldade de fechar a porta para muitos dos convites que chegam relacionados ao trabalho. Em muitos dias, eles continuam entrando sem pedir licença e quando vejo a minha semana está to-tal-men-te preenchida em uma sucessão de compromissos, sem sequer um intervalo para respirar. E logo, para mim, que tenho a respiração como base de meu ofício como instrutora de meditação.

Já no meu final de semana, sou mais sábia e consigo praticar o que ensino. Vivo com mais equilíbrio, guardando espaços para fazer o que realmente gosto e também para o fazer nada.

Maturidade

Esse ano faço 49 anos. Mais da metade da vida. Se tudo correr dentro da normalidade, talvez um pouco mais ou menos. Tenho cada vez menos pressa, apesar da velocidade com que o tempo corre.

É curioso, mas estou também sentindo menos vontade de ir a muitos lugares ou de fazer muitas coisas. Às vezes, me sinto enjoada e entulhada de tanta, tanta coisa que já coloquei aqui para dentro. Livros, lugares, comida, tarefas, pessoas, mais tarefas e coisas e coisas e coisas.

“Basta!”, tenho dito para mim. Tenho tentado me comprometer com menos coisas, àquelas que fazem verdadeiramente sentido para mim. Poucas coisas, de muito valor. Como quem seleciona em uma vasta biblioteca de experiências, aquelas que realmente se quer viver.

Esse comportamento vem se refletindo em muitos aspectos do meu dia a dia. Percebo a redução do uso das redes sociais, da TV, da leitura de assuntos que são descartáveis. Esse tem sido o meu recorte.

Em meu “Netflix particular”, procuro lembrar que tenho o controle remoto na mão e que não preciso ver tudo o que me oferecem. Eu posso ser a curadora da minha vida, deixando de lado a paranoia do medo de estar perdendo algo.

Fugindo da ilusão

Não, eu não estou ficando uma chata, solitária ou esquisita. Mas, é que realmente não dá para dar conta de tudo. Ver tudo, ler tudo, comer tudo, falar com todos… Não dá. Então, venho escolhendo (apesar de nem sempre conseguir escolher). E principalmente, perceber as escolhas que posso, quero e consigo me comprometer.

O que preciso abrir mão para ter um “sim” realmente de verdade, de forma consistente e profunda em uma determinada direção?

Um dia, tive uma aula sobre comprometimento com um professor muito querido de meditação. Ele me disse mais ou menos assim: “As pessoas têm dificuldade de se comprometer, pois se fixam apenas no fazer. ‘Vou fazer isso, vou começar aquilo…’ E por um tempo até fazem o que combinaram, mas, muitas vezes, não conseguem sustentá-las. Acabam desistindo, esquecendo. Por quê? O que será que acontece?”

“Para nos comprometermos”, continuou ele, “é importante que estejamos alinhados também no pensamento e sentimento daquela direção. Caso contrário, a ação rateia, é frágil, inconstante e facilmente mutável. A maioria de nós diz o que quer fazer, mas não reflete se pode pagar o preço por essa decisão”.

Compartilhe esse post: